Casa de Cultura


CASA DE CULTURA: NOSSAS LEITURAS E OUTROS MUNDOS

Este projeto visa desenvolver encontros de leitura para pensar a constituição leitora de comunitários que vivem em lugares onde funcionaram as escolas multisseriadas. A princípio, será desenvolvido, na zona rural do Município de Caetité, e, em outras etapas, poderá se estender por outros espaços culturais desse Alto Sertão Baiano. Baseados na abordagem autobiográfica, os encontros de leitura propõem discutir as leituras pessoais e sociais dos leitores e apoiá-los na construção de casas de cultura com o intuito de catalogar os instrumentos de leitura, dialogando com as diversas culturas.


2-JUSTIFICATIVA


O projeto “Casa de cultura: nossas leituras e outros mundos” justifica-se por ser uma proposta de extensão e de pesquisa, buscando identificar e constituir leituras e leitores do espaços culturais como as antigas escolas multisseriadas, localizadas na zona rural do município de Caetité. Do mapeamento dessas escolas, já desativadas pelo processo de nucleação (Secretaria Municipal de Educação), pretende-se eleger dois espaços culturais e realizar neles os encontros de leitura para a coleta de narrativas de leitura e para apoiar os leitores na criação das Casas de Cultura.  A ideia é identificar os instrumentos de leitura e registrar as narrativas produzidas nos encontros realizados. Sabe-se que o processo de nucleação das escolas multisseriadas deixou esses espaços educacionais ociosas e a comunidade, talvez, pelo fato de não ser incentivada, nem sempre busca preenchê-los. Suas narrativas, muitas da oralidade regional, tendem a desaparecer por falta de propostas que venham valorizá-las. Do contato com outros espaços maiores e o conhecimento das novas culturas, a tendência é desvalorizar suas próprias histórias e, quem sabe, pensar seus costumes comunitários como ultrapassados. Assim sendo, com essa proposta, tem-se a ideia de propiciar valorização das narrativas locais em diálogo com as culturas, através da constituição das leituras pessoais e sociais, buscando pensar a relevância do entrelaçamento das histórias de leitura dos diversos lugares.

3-OBJETIVOS


3.1 Objetivo geral:
  
Mapear os espaços rurais das escolas multisseriadas que foram nucleadas pela Secretaria de Educação do Município de Caetité, elegendo dois espaços culturais para a realização de encontros de leitura baseados na abordagem autobiográfica, incentivando à construção de casas de cultura nos locais e registrando as narrativas identificadas.


3.2 Objetivos específicos:

  • Realizar encontros de leitura para pensar a constituição leitora, reconstituindo as narrativas de leitura pessoais e sociais das localidades em que funcionavam as escolas multisseriadas;
  • Identificar os instrumentos de leitura e as práticas culturais existentes na comunidade;
  • Desenvolver grupos de estudos baseados em eixos de pesquisa como a formação e a leitura;
  • Discutir com os leitores a relevância de registrar os diversos tipos de instrumentos de leitura existentes na comunidade e incentivá-los à criação de casas de cultura;
  • Orientar os leitores sobre os procedimentos para a implantação e implementação das casas de cultura;
  • Articular com espaços culturais da cidade, como a Casa Anísio Teixeira e o Arquivo Público Municipal de Caetité o apoio em monitorar ações que viabilizem a realização dos projetos comunitários nesse intuito de constituição leitora.
  • Coletar e divulgar as narrativas culturais de leitura da localidade através de trabalhos acadêmicos.


4-REVISÃO DE LITERATURA

Os eixos temáticos, a formação e a leitura, norteiam esta pesquisa. Pelo diálogo entre estudos de teóricos como Nóvoa (1992), Pineau (1999), Poirier et al (1999), Josso (2004), Souza (2006), Chartier (2001), Lacerda (2003), Cordeiro (2006), Abreu (2004), faz-se possível  pensar as narrativas de vida, como possibilidade de reflexão e de apropriação retrospectiva do trabalho vivido: “a identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão” (NÓVOA, 1992. p.16).
Nessa linha de discussão, tem-se a construção da identidade como uma ação processual, tornando-se necessário o investimento no conhecimento existencial para a conquista de maior segurança na realização da experiência de si e do social. Adota-se o método autobiográfico e as narrativas de formação como condição de autoconhecimento para realizar pesquisas. Na formação leitora, as narrativas desenvolvidas podem ser expressas em diários autobiográficos como forma de demarcar o espaço onde o leitor seleciona suas idéias, possibilita a reconstrução de sua experiência de vida e, numa visão auto-reflexiva busca compreender a trajetória de si e a dos outros, não perdendo de vista o próprio processo de formação.
Essa ideia, relaciona-se com a ação de revisitar as memórias de histórias formativas para compreender a relação entre passado, presente e futuro e a relevância das lembranças memorialísticas. Nessa perspectiva, memória e leitura têm relação direta; um entrelaçamento, cuja ação exige a junção das duas, proporcionando situações em que essas categorias possam ser exercitadas para realizar a volta aos tempos de cada leitor e o conhecimento de si, sendo possível a constituição leitora imbricada com cultura e sociedade:
[...] pensar que os atos de leitura que dão aos textos significações plurais e móveis situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas ou individuais, herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas e de protocolos de leitura depositados no objeto lido, não somente pelo autor que indica a justa compreensão de seu texto, mas também pelo impressor que compõe as formas tipográficas, seja como objeto explícito, seja inconscientemente, em conformidade com os hábitos de seu tempo. (CHARTIER, 2001, p. 36).

É a leitura como prática cultural, inventiva e criativa, não necessariamente a partir de instrumentos impressos. Faz-se necessário pensar a leitura dos muitos cenários desse país em que é visível a falta de tradição da leitura e da escrita, lugares, muitas vezes, alheios aos interesses acadêmicos: “[...] uma vez que são reconhecidas como leituras e modos de ler que se encontram distantes daquilo que a escola e, principalmente, o curso de Licenciatura irá legitimar como sendo “verdadeira leitura” [...]” (MORAES, 2000, p. 213/214).
Os estudos ligados à História Cultural, enquanto campo de investigação mais alargado, integrarão os aportes teóricos: “As investigações revelaram um interesse pela leitura e um contato com o escrito muito maior do que se supunha, livrando-nos de fantasmas como o desinteresse do brasileiro pela leitura, [...]” (ABREU, 2004, p. 43).
No cotidiano não legitimado, onde se fazem visíveis às dificuldades, talvez como contrapartida, encontram-se as práticas de leitura consideradas não legitimadas. Nelas, a singularidade do leitor descreve experiências do conhecimento de si e do social, seu processo de constituição leitora, ainda que, muitas vezes, essas experiências não tenham surgido do contato com os impressos. Dos desafios a serem enfrentados como a profunda transformação que altera os modos de publicação, comunicação e recepção da palavra escrita, exige-se um acompanhamento à luz de uma reflexão histórica, cultural e filosófica.

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
  
Com auxílio da Biblioteca Móvel Anísio Teixeira que visita as comunidades rurais, realizar o mapeamento dos lugares em que possui ou possuiu as escolas multisseriadas e depois, nessa primeira etapa do projeto, eleger dois lugares para realizar os encontros de leitura, acompanhando os leitores na criação das casas de cultura.
Os encontros de leitura deverão discutir os elementos caracterizadores do sujeito-leitor, seus aspectos pessoais e sociais e suas relações em ambientes urbanos e rurais. Essas questões serão pertinentes para compreender a constituição leitora dos colaboradores da pesquisa. Em cada encontro, faz-se necessário a escolha de uma dupla ou trio para elaborar o diário, de forma que garanta os registros dos fatos vivenciados, na expectativa, também, de apresentá-los no encontro seguinte. Os diários, portanto, serão vistos como narrativas de produção.
             Serão dez encontros de leitura, os primeiros, para pensar as narrativas de leitura relacionadas às experiências pessoais; nos demais, as experiências sociais, tendo o diário de registro como mais um instrumento a ser coletado pela discussão das leituras culturais. No processo de realização desses encontros, haverá, simultaneamente, o incentivo no sentido de colocar no lugar os instrumentos de leitura identificados na localidade.
             De posse do material coletado, após lê-los e separá-los, haverá o estabelecimento de categorias de análise para a produção de trabalhos científicos, como possibilidade de divulgação das narrativas de leitura da comunidade. Os registros serão arquivados na localidade denominada de “casa da cultura”, a qual poderá se transformar em espaço vivo ao acolher novos instrumentos e propostas de leitura.
Este trabalho compreende fases em seu desenvolvimento: mapeamento dos espaços onde funcionaram as escolas multisseriadas, organização e realização dos encontros de leitura, coleta das narrativas produzidas, levantamento dos instrumentos de leitura relacionados aos leitores, apoio à construção das casas de cultura, registro e divulgação pela produção de trabalhos acadêmicos.
Pelo entrelaçamento das narrativas de leitores em discussão com o referencial teórico de quem defende a utilização dos diários nas pesquisas autobiográficas, dá-se a escolha dos instrumentos de pesquisa. Assim sendo, pelas narrativas de leitura tomadas a partir dos eixos temáticos como a formação e leitura, há a possibilidade de discussão dos textos autobiográficos relacionados à constituição do leitor, elegendo o diário como narrativa reflexiva da realização dos encontros de leitura: “[...] O diário, por excelência, é um ato metodológico centrado no registro reflexivo da e sobre a prática, tendo como foco a consciência pedagógica, despertando curiosidade, percepções, descobertas, mudanças [...]” (SOUZA e CORDEIRO, 2007, p. 48).
Em diálogo com idéias dessa natureza, tem-se o registro reflexivo pelas narrativas de leitura que se cruzam e entrecruzam-se, compreendendo o uso dos diários produzidos como registros de cada encontro de leitura. Nessa perspectiva, atenta-se em trazer o cenário escolhido, ou seja, o local, enquanto espaço cultural de longa história, na expectativa de percepção do lugar e de suas muitas histórias para contar, inclusive as que trazem o ato de ler como tarefa marcada por sérias dificuldades, talvez pela localização distante dos centros acadêmicos, os quais têm estudos legitimados no que se refere ao aspecto universitário.


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